sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sextas-feiras

Era sexta-feira, mais ou menos duas horas da tarde. A caminho de casa havia uma rua estreitinha, e eu passava lá, todas as sextas-feiras. Todas as sextas-feiras estava, a um canto, sentado de pernas cruzadas, um rapaz. Não teria mais que 8 anos, mas o seu olhar pertencia já a uma pessoa 10 anos à frente. Não era uma criança fora do vulgar, pelo contrário. Era moreno, de cabelos pretos e olhos castanhos claros. O seu olhar penetrante não deixava ninguém indiferente, mas o rapaz não olhava para as pessoas, olhava sim para a parede que se encontrava à sua frente. Não importava a quantidade de pessoas, o seu aspecto ou até o seu cheiro, nunca vi os seus olhos moverem-se.
Nunca dei muita importância, mas comecei a achar estranho, sinistro. Achei que secalhar não fosse má ideia perguntar-lhe se estava bem, ou até tentar saber algo mais.
Uma sexta-feira decidi sentar-me a seu lado, de pernas cruzadas também. Foi como se nada tivesse feito. O seu olhar voltou a não desviar-se. Pensei então que talvez seria melhor meter conversa, para ver se ele reparava que eu estava mesmo ali.
Perguntei-lhe então como se chamava. Passaram 5 minutos e os seus olhos continuavam iguais, a sua posição também. A boca não se abrira um milimetro que fosse.
Já tinha perdido a esperança de uma resposta, e agora não sabia se me deveria ir embora ou apenas continuar ali, à espera que o nada acontecesse. Parece que me leu a mente. A sua cabeça rodou, olhou-me fixamente e soltou as primeiras palavras "De que te serveria saberes o meu nome? Amanha serei um desconhecido de novo para ti". Houve uma pausa, não sabia que responder, ele fitava-me, mas não ansiava uma resposta também. "Sento-me aqui diariamente, e tento imaginar o mundo ideal. Um mundo em que todos valorizassem os sentimentos, e não o poder, a fama ou o dinheiro. Que as pessoas deixassem de acreditar que o que guia a vida é a razão, porque não é. Já pensaste nas inumeras coisas sem explicação que existem? Eu continuo a pensar, e quanto mais faço por isso mais a lista aumenta. Talvez um dia acabem por admitir que a razão só acaba por destruir a ideia de vida, e que o poder e o dinheiro não passam de simples miragens, ilusões. Há já algum tempo que deixei de acreditar num mundo ideal, mas acredito num mundo equilibrado. Um mundo em que te defines pelas acções que fazes e não pela quantidade das que tens na bolsa. Sabes, são milhares as pessoas que aqui passam, e nenhuma me vê. Olham de lado, mas fingem não ver. Talvez seja isso, os problemas, quando presentes olham-se de lado, não se enfrentam. Se há coisa que todos somos é fracos, cobardes, egoistas, crueis, interesseiros, oportunistas, vagabundos que o não admitem, e poderia estar aqui até amanhã, mas não vale a pena, porque tudo se resume a uma palavra, incompreensiveis. Isto que digo hoje, amanhã mudará. O mundo está constantemente a virar, a crescer, a mudar, a evoluir. Dizem eles."
E dito isto tocou-me no braço, sorriu, virou-me as costas e eu fiquei ali, estupefacta, a olhar a parede até anoitecer. Agora, aquele canto é ocupado por mim, agora sou eu quem todos olham e não vêm.

[SoraiaOliveira, até que merecias melhor, mas por enquanto é o meu máximo. Amo-te (L)]

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